Polícia ideológica disfarçada, no Brasil
O governo Lula criou, já nestes seus primeiros dias de atuação, um serviço oficial de repressão à discordância política – algo que o Brasil nunca teve antes em toda a sua história, mesmo nas ditaduras mais evidentes.
É isso, e apenas isso, embora digam que é outra coisa. Por decreto assinado pelo presidente, existe desde o dia 3 de janeiro uma “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, um tipo de polícia ideológica disfarçada em órgão da justiça, para combater “atentados” à eficácia do que chamam de “políticas públicas”.
Que diabo quer dizer isso, exatamente? É crime, agora, dizer que uma “política pública” é ruim? Fazer isso, obviamente, é contestar sua eficácia. Não pode mais, a partir de agora? Em suma: fica proibido falar mal do governo?
O decreto, como sempre acontece neste tipo de coisa, vem carregado de palavrório em favor da virtude – falam ali em “democracia defensiva”, em combate à “desinformação” e em defesa de medidas de política “ambiental”. É tudo dinheiro falso.
“Democracia defensiva” é objeto não-identificado na prática de regimes baseados na lei. “Desinformação” é toda a informação que o governo não queira que se publique. Defesa de medidas voltadas ao ambiente é não abrir a boca para discordar de uma política ambiental baseada na multa, na repressão e na sabotagem à produção.
A nova Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia é, quando se desconta essa mentirada, mais um instrumento de perseguição ao adversário político – talvez o pior de todos os que se anunciam a cada cinco minutos desde que Lula assumiu o governo.
Na verdade, quase não se faz outra coisa: falam em processo penal contra manifestantes que estão na rua, mais poder para os fiscais, punição para integrantes do governo anterior, censura, quebra por atacado de sigilo telefônico e de computador, Polícia Federal e por aí afora.
“Democracia popular”, do tipo que se pratica em Cuba ou Venezuela e que é a única admitida pelo PT, é isso. Passaram a campanha eleitoral inteira dizendo que o regime democrático e o Estado de Direito estavam sendo destruídos pelo governo – e que era indispensável votar em Lula para salvar um e outro.
“Defender a democracia”, no seu manual de operações, é suprimir as liberdades públicas e os direitos individuais. Contaram com o STF para fazer isso. Agora contam, além dele, com toda a máquina do Estado – a que já existe e novidades como a nova procuradoria e os seus inquisidores.
Criticar na imprensa os possíveis desastres que a política econômica do ministro Haddad promete trazer, e trazer bem logo – isso seria, por exemplo, um delito a ser castigado? Afinal, política econômica é “política pública”, não é mesmo?
Outro problema é o Congresso Nacional. O que vai acontecer com os deputados e senadores que protestarem contra as “políticas públicas” sobre invasão de terras, ou demarcação de territórios indígenas, ou libertação de criminosos das penitenciárias através do “desencarceramento” que tanto encanta o governo Lula?
Serão punidos pela Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia? E protestar na rua contra essas e outras “políticas” – os manifestantes vão ser denunciados à justiça, ou indiciados no inquérito perpétuo do ministro Alexandre de Moraes para a repressão de “atos antidemocráticos”?
O novo advogado-geral da União, velha figura do governo Dilma Rousseff, disse ao anunciar a criação da Procuradoria que “ataques às instituições” não vão ser mais “tolerados”. Quando se leva em conta que “ataque às instituições” pode ser, a qualquer momento, o ato de falar mal do governo, dá para se ver bem o que estão querendo.
(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de janeiro de 2023)
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