Impressionado com os 88 anos de vida e para comemorar os 70 anos de agitação cultural de Hermínio Bello de Carvalho, o Sesc paulista, ainda sob a gestão do saudoso Danilo Santos Miranda, lançou um projeto que consiste no livro Passageiro de Relâmpagos e no CD Cataventos, em projeto coordenado pelo produtor Helton Altman (que também fez a produção do álbum), assim como Joyce Moreno se encarregou da organização do livro. Um aparte: dentre tantas qualidades, Hermínio tem uma que o caracteriza: ser fiel aos seus amigos de fé!
Abrindo, Fernanda Montenegro declama “Labirinto”* – quem mais poderia dizer as palavras do Poeta, senão ela? Sua voz desvenda os versos, enquanto parece aguardar que o violão de João Camarero surja tocando – ele que fez o belo arranjo de “Cobras e Lagartos” (Sueli Costa e Hermínio), que Maria Bethânia canta na sequência, praticamente sem espaço entre a primeira e a segunda faixas. Assim, Fernanda, João e Bethânia destacam o descomunal e secular talento de Hermínio Bello de Carvalho, o Poeta, para ser sempre jovial e imprevisível.
E Alaíde Costa canta “Só Se For Agora” (Lucas Porto e Hermínio), que tem arranjo enxuto do Lucas, ele que toca violão e conta com o piano de Itamar Assiere, o baixo de Pedro Aune e a batera de Marcus Thadeu. Alaíde está cantando como sempre, lindo! A vassourinha roça a caixa. O piano harmoniza a melodia. O violão toca no intermezzo. E tudo mais vem da voz da Alaíde! Meu Deus!
Áurea Martins, outra cantora fantástica, se encarrega de “Trapaças da Sorte”** (Kiko Horta e Hermínio). Acordeom (Kiko Horta) e piano (Assiere), acompanhados pelo baixo de Aune e a batera de Thadeu, tocam a intro. E dão a Áurea o poder de mostrar sua voz – ainda mais empoderada do que ela já é!
“Valsa da Solidão”*** (Paulinho da Viola e Hermínio) é a cereja do bolo. Da Viola fez o arranjo com a simplicidade que pauta a sua vida, desde os tempos de Rosa de Ouro. Criado pelo espírito empreendedor do Poeta, na década de 1960, foi nesse show que Paulinho surgiu para a música, tornando-se o primeiro parceiro musical de Hermínio. Acompanhado pelo piano de Cristovão Bastos e pelo violão de sete cordas de Lucas Porto, “Valsa da Solidão” é de se ouvir ajoelhado, em prece aos deuses que nos protegem, permitindo que ouçamos músicas como essa.
Hermínio é um pote de mel, onde nós, insetos humanos, voejamos para sorver seus delírios sentidos. Ainda que nos afoguemos de tanto maravilhar, valerá a pena ali pousar, pois assim nós cataventoaremos com ele no prumo do futuro, lugar de aventurosos de que apenas os Poetas se aproximam, em vida.
Siga, Poeta, deixe-se levar: seu trabalho avoengo irá vidas afora! E impulsionado por cataventos, você, Hermínio Bello de Carvalho, seguirá rumo ao XXII – é isso aí, ô 22, tá ligado?
Aquiles Rique Reis
Nossos protetores nunca desistem de nós.
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