Cris Caffarelli lançou o CD “Lares”, com fé no pop

Mais que um convite ou apelo, o single “Vem Vem Vem” é um doce rapto para o universo da cantora e compositora Cris Caffarelli. Um rico mundo de tintas pop em franca expansão, que revela uma cantora e compositora com dicção e luz próprias, sensibilidade, timbre charmoso e, claro, belas melodias. “Lares”, disco solo de Cris Caffarelli, foi lançado no dia 20 de agosto, e tem participações especiais de Roberta Sá, Cristina Braga, João Barone e Lucas Vasconcellos. Destaque para a bem humorada “Samba do Juízo”, com lyric video que chega junto com o disco.

Estabelecida como instrumentista a partir de trabalhos com Marina Lima, Dado Villa-Lobos, Toni Platão e Banda Panamericana, Cris se mostra uma cantautora de personalidade em “Lares”, rica coleção de canções pop/folk e outras levadas que tem tudo para ser a fundação de uma longa carreira.

A música está no sangue desde cedo, como vocação irresistível. Começou no piano clássico aos seis anos e logo no início da adolescência foi atraída pelo rock de Beatles e Mutantes, por — ótima — influência do irmão mais velho, Eduardo. Depois virou caminho acadêmico, com a graduação pela Unirio, e desde os 20 anos é honrado ganha-pão, com um belo chão como professora de piano, violão e iniciação ao canto.

O senso crítico muito apurado e certa timidez fizeram com que o passo para a frente dos palcos demorasse um pouco mais para chegar. Mas provavelmente ajudaram na maturação da obra com que Cris se lança agora, num misto do que ela mesma define, brincando, como “prazer e pânico”.

“Lares” tem a ver com criações muito pessoais e caseiras, claro, mas também com a expressão romana referente aos espíritos que podiam atuar na proteção (ou na ruína) de uma família. O álbum foi construído, conforme explica Cris Caffarelli, a partir dessa tensão, do conflito entre forças opostas, interior e exterior, luz e sombra, medo e coragem — e, “sobretudo, afeto”.

“Lares” é produto de relações com amigos talentosos. Lucas Vasconcellos (ex-Letuce e Binário), que conheceu como parceiro em jornadas com Dado Villa-Lobos, divide com ela todos os arranjos e contribui com guitarras e outros instrumentos. Cris fez a pré-produção de várias músicas, mas, no processo de gravação, acabou rolando naturalmente um regime de coprodução com Lucas. A ambientação propícia para experimentações e voos criativos sem pressa e sem maiores pressões ficou por conta do estúdio dele na serra fluminense, Pavão Preto, o mesmo de onde saíram gravações bacanas de Rodrigo Amarante, Marcelo Jeneci e Alice Caymmi.

João Barone, batera hero dos Paralamas do Sucesso, dá seu precioso toque, contribuindo com a caixa minimalista em “Vem Vem Vem” e “Ainda Não Sei”. Fabiano França atuou com delicadeza nas alquimias de edição, mixagem e masterização.

As canções de Cris Caffarelli podem trazer leveza, como um raro espécime de alt. country movido por piano e steel guitar felizes, “A Paz Que Eu Mereço”, ou como o indie folk de “Ainda Não Sei”, adensado com trombone e trompete, ou “Baco”, doce levada groovy que homenageia um amigo felino.

Mas existe o contraste, remetendo aos tempos sombrios pré-2020 em que a maioria das composições foi escrita. “Medo Medo”, com a harpa de Cristina Braga, é, a despeito da letra, quase um acalanto para escapar de monstros nem sempre imaginários; “O Outro Lado da Noite”, parceria com André Nóbrega, é uma canção tão boa quanto o título, que mostra Cris em pleno domínio interpretativo, dentro de uma naturalidade cativante.

A autobiográfica “Toque de Orixá” narra sua feitura de cabeça, superando temores com sabedoria: “Quando na gira vira o santo/ Não precisa mais ter medo/ Dance devagar/ Sentiu? Deixe o coração”. Toni Platão participa, com seus conhecidos dotes em modo menor, fugindo da obviedade — o que só torna mais forte a mensagem.

“Dizer Pra Ficar”, parceria com a poeta Bruna Beber, é outro destaque do álbum, com arranjo que valoriza a beleza de versos como “é risco é festa é sorte/ Os deuses reunidos/ A vida imaginária/ Que você tem pra dar”. No chiaro/escuro bordado pelo repertório, faria sentido parear com a adorável “Inspira”, que responderia, solar, chansoneando meio bossa nova com notas bem escolhidas.

“Lares” originalmente iria parar em nove composições, mas ganhou um +1 irresistível em “Samba do Juízo”, em que Cris mostra suingue e gasta um pouco do jurisdiquês aprendido em cinco períodos de Direito para falar de uma relação amorosa. O violão de 7 cordas de Nando Duarte, acostumado a acompanhar Elza Soares, Yamandú Costa, João Bosco e Gal Costa, ancora tudo nos conformes, seguindo o que ele aprendeu com mestres como Dino 7 Cordas e Hélio Delmiro.

O trombone de Antonio Neves fraseia na medida para a evolução de dançarinos de gafieira, enquanto o Hammond de Rodrigo Tavares leva a coisa para o lado do sambalanço de Ed Lincoln junto ao baixo de Alberto Continentino e à percussão de Samantha Rennó. E assim fica estabelecida uma irresistível (con)fusão no salão; Roberta Sá, amiga que a incentivou a gravar, chega em tempo para brilhar na segunda parte.

No fim das contas, a “Vem Vem Vem” que precede o trabalho é das mais simples musicalmente, uma profissão de fé no pop. No entanto, podemos esperar de Cris movimentos posteriores em outras direções que fazem sentido com sua trajetória, envolvendo saties, sakamotos e philpglasses, que em outros tempos fizeram as vezes de tins e bens e tais para ela. Que seja bem-vinda hoje e que corra por muito tempo, sempre para onde a música e a musa mandarem.

Por Pedro Só (jornalista e crítico musical).

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Da Redação by Cleo Oshiro

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