Controle do Talibã no Afeganistão já ameaça mulheres
Era início de noite e Zahra, sua mãe e três irmãs estavam a caminho da casa de outra irmã para jantar quando viram pessoas correndo e ouviram tiros na rua. “O Talibã está aqui!”, pessoas gritaram. Em apenas alguns minutos, tudo mudou para a jovem de 26 anos, moradora de Herat, terceira maior cidade do Afeganistão.
Zahra cresceu em um Afeganistão sem o Talibã, onde as mulheres ousavam sonhar com uma carreira e as meninas estudavam. Nos últimos cinco anos, ela trabalhou com organizações sem fins lucrativos locais para aumentar a conscientização de mulheres e pressionar pela igualdade de gênero. Seus sonhos e ambições, contudo, desabaram na noite da quinta-feira, 12, quando os terroristas invadiram sua cidade, hasteando suas bandeiras brancas com uma proclamação de fé islâmica em uma praça central, enquanto pessoas em motocicletas e carros corriam para suas casas.
A volta do Talibã ao poder no Afeganistão – com a tomada de Cabul, no domingo, 15, sendo o golpe final de uma campanha militar fulminante – já alterou o modo de vida do povo afegão, especialmente das mulheres, que sentem com mais intensidade a realidade sombria que muitas delas pouco se lembram ou nem chegaram a conhecer.
Quando o grupo fundamentalista governou o país por cinco anos, entre 1996 e 2001, ficou proibida a educação de meninas e o trabalho feminino. Para sair de casa ou viajar, elas precisavam ser acompanhadas por um parente do sexo masculino, e aquelas que eram acusadas de adultério eram apedrejadas.
Como a maioria dos outros residentes de Herat, Zahra, seus pais e cinco irmãos se esconderam em casa, com muito medo de sair e preocupados com o futuro. “Estou em grande choque. Como é possível para mim, uma mulher que trabalhou tanto e tentou aprender e progredir, ter agora que me esconder e ficar em casa?”, disse.
O temor do retorno ao regime Talibã pode ser notada desde antes da tomada do poder de fato pelo grupo. Quando o grupo ainda avançava sobre cidades em poder do governo, cerca de 250 mil afegãos fugiram em direção a Cabul, visto como último refúgio para muitos. De acordo com a agência da ONU para refugiados, 80% desse total eram mulheres ou crianças.
Relatos de pessoas que chegaram a Cabul antes do fim de semana confirmam que, mesmo antes de derrubar o governo, o Talibã começou a aterrorizar mulheres e meninas com ameaças de casamentos forçados, sequestro de mulheres e violência física em territórios já conquistados. Na semana passada, famílias da província de Takhar, que se deslocaram para Cabul em razão do avanço dos rebeldes, relataram que meninas que voltavam para casa em um riquixá motorizado foram detidas e chicoteadas por usarem “sandálias reveladoras”.
Em Cabul, as mulheres já se preparavam para o possível desfecho catastrófico antes da chegada do Talibã. As vendas de burcas – vestimenta que cobre todo o corpo, deixando espaço apenas para os olhos – dispararam na capital, segundo relataram vendedores ao jornal britânico The Guardian. Uma mulher ouvida pelo jornal reclamou da alta nos preços da vestimenta: “No ano passado, essas mesmas burcas custavam 200 afeganes (cerca de R$ 13). Agora eles tentam nos vender por 2 mil ou 3 mil afeganes (entre R$ 130 e R$ 195)”.
Por muitos anos, o uso obrigatório da burca foi o símbolo mais emblemático da opressão do Talibã sobre as mulheres afegãs. Zarmina Kakar, uma ativista pelo direitos das mulheres em Cabul, tinha apenas um ano quando o Talibã chegou ao governo pela primeira vez, em 1996, mas recorda bem como a mãe foi chicoteada em público ao revelar o rosto por alguns minutos, ao comprar um sorvete para a filha.
“Eu sinto que somos como um pássaro que faz um ninho para viver e passa o tempo construindo-o, mas de repente e impotente vê os outros destruí-lo”, disse Kakar, antes da tomada de Cabul pelos rebeldes. E completou: “Hoje, novamente, sinto que se o Talibã chegar ao poder, voltaremos aos mesmos dias sombrios”.
Apesar dos sinais da opressão já se materializarem na sociedade afegã, há quem diga que pretende resistir. Uma estudante universitária chamada Habiba, ouvida pela iniciativa local de comunicação feminina Rukhshana Media, disse que a mãe pediu que ela e suas duas irmãs usassem burcas antes da chegada do Talibã, na tentativa de protegê-la.
“Nós não temos nenhuma burca em casa e eu não tenho a intenção de comprar uma. Eu não quero me esconder atrás de uma roupa que parece uma cortina. Se eu vestir uma burca, isso significa que eu aceitei o governo do Talibã. Eu terei dado a eles o direito de me controlar. Vestir um chador [outro tipo de roupa típica islâmica que cobre todo o corpo da mulher, revelando apenas o rosto] é o começo da minha sentença como prisioneira na minha própria casa. Eu estou com medo de perder tudo pelo que tanto lutei”, disse Habiba, na entrevista veiculada pelo The Guardian.
Voltando a Herat, Zahra conta que parou de ir ao escritório há cerca de um mês, quando os rebeldes se aproximaram da cidade, e começou a trabalhar remotamente de casa. Após os combatentes do Talibã romperem as linhas defensivas da cidade, ela não pôde mais trabalhar. Seus olhos se encheram de lágrimas ao considerar a possibilidade de não poder voltar a trabalhar; que a irmã de 12 anos não poderá continuar a frequentar a escola (“Ela adora aprender”); ou que não será capaz de tocar guitarra livremente novamente.
Ela listou algumas das conquistas feitas por mulheres nos últimos 20 anos desde a queda do Talibã – poucos, mas significativos em uma sociedade profundamente conservadora. Meninas puderam ir a escola, mulheres chegaram ao Parlamento, ao governo e abriram seus próprios negócios.
Em entrevista ao Estadão, o jornalista Craig Whitlock, autor do livro e Afghanistan Papers: A Secret History of the War’ (ainda sem versão em português) afirmou que uma volta do Talibã ao poder seria um desastre em termos de Direitos Humanos.
“O Talibã tem trabalhado sua imagem pública, mas a realidade “no front” ainda é de um movimento muito brutal e fundamentalista – particularmente com as mulheres. Eles têm uma visão muito ultrapassada sobre religião e sociedade. Em termos de Direitos Humanos [uma volta do Talibã ao poder] vai ser um desastre. Há um temor principalmente em Cabul e outras cidades, porque a sociedade se modernizou. Vai haver um choque entre essa visão moderna e os preceitos do Talibã – que ainda adota práticas como cortar as mãos de pessoas como punição e proíbe mulheres de sair de casa e estudar”, disse na sexta-feira, 13, antes da tomada da capital.
Vice-diretora nacional da CARE International em Cabul – instituição que trabalha com o desenvolvimento humano no Afeganistão, incluindo empoderamento feminino – Marianne O’Grady, disse que os avanços feitos pelas mulheres nas últimas duas décadas foram consideráveis, principalmente nas áreas urbanas. Apesar do cenário que se avizinha, ela disse que não consegue ver as coisas voltando a ser como eram no primeiro governo do Talibã.
“Não se pode deseducar milhões de pessoas”, disse ela. Se as mulheres “estão atrás das paredes e não podem sair tanto, pelo menos agora podem educar seus primos e vizinhos e seus próprios filhos de uma forma que não poderia acontecer há 25 anos”. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
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