Ao menos 400 crianças venezuelanas chegaram ao Brasil sozinha
De um lado Santa Helena, Venezuela. Do outro Pacaraima, Brasil. Em média, 500 venezuelanos fazem esse trajeto, todos os dias. Desde 2017, mais de 200 mil já entraram no país fugindo da crise política, econômica e social do país. Muitas vezes são famílias inteiras que entram no território de Roraima fugindo da fome. Mas uma situação em particular preocupa as autoridades brasileiras: as crianças imigrantes que chegam ao país desacompanhadas.
Levantamento da Defensoria Pública da União (DPU) apontou que no período de 11 meses, de agosto de 2018 a junho de 2019, quase 400 crianças chegaram ao Brasil totalmente desacompanhadas. Outras 1.499 vieram separadas dos pais e 1.701 com documentação insuficiente.
“São histórias tristes de pessoas que estão fugindo de um futuro tenebroso. Às vezes os pais são mortos, às vezes no fluxo migratório perdeu-se o contato entre os membros da família, outras vezes simplesmente a criança ou adolescente nunca teve contato com a família na Venezuela e continua na situação de vulnerabilidade quando chega no Brasil”, explica o defensor público federal Thiago Parry.
No âmbito da Operação Acolhida, que é coordenada pelas Forças Armadas brasileiras, a DPU dedica atenção especial ao atendimento dos casos de criança com “dificuldades migratórias”, que são as desacompanhadas, separadas dos pais ou indocumentadas.
“Há relatos de crianças que caminham por mais de 6 ou 7 dias, sozinhas ou acompanhadas de pessoas conhecidas no meio do caminho, porque simplesmente verificam que tem pessoas fazendo esse trajeto, ouvem que é melhor no Brasil e decidem fazer essa travessia”, conta Parry.
O tenente-coronel Barcellos, coordenador da Operação Acolhida em Pacaraima, aponta que uma das dificuldades é a diferença documental entre os dois países no caso das crianças. “Documento com foto na Venezuela eles cobram a partir dos 9 anos, aqui no Brasil é mais cedo. Criança lá não tem CPF, aqui praticamente já emitimos o CPF no nascimento. E algumas crianças, principalmente de comunidades indígenas venezuelanas, chegam aqui apenas com a declaração de nascido vivo”, compara.
Nestes casos, o trabalho da defensoria, com auxílio de assistentes sociais, é investigar por meio de uma entrevista qual é a situação da criança. Ela pode receber autorização para entrada no Brasil com o adulto que a acompanha, ou ser encaminhada para um serviço de acolhimento.
“Se a criança estiver acompanhada de familiares da famílias extensa, como tios e avós, e for verificada que de fato é uma situação regular e não há risco de que essa criança esteja sendo traficada ou vítima de algum tipo de aliciamento, ela é geralmente encaminhada para o pedido de refúgio. Regulariza-se esse fluxo migratório da criança e ela pode seguir para dentro do Brasil. Se essa criança vem absolutamente desacompanhada, ela vai ser tratada aqui como se uma criança brasileira fosse encontrada no meio da rua, ela tem os mesmos diretos que uma criança brasileira”, explica.
Acolhimento
No abrigo Pedra Pintada, mantido pela prefeitura de Boa Vista, vivem atualmente quatro crianças imigrantes: um menino de 11 anos, um bebê de pouco mais de 1 ano e dois recém-nascidos. Carlos*, o mais velho, foi encontrado sozinho perambulando pelas ruas da capital e encaminhado ao abrigo pelo conselho tutelar.
“Ele chegou na instituição bem retraído, a gente percebia que ele estava com medo, atordoado, fragilizado. Não conseguia passar informação”, lembra a gerente do abrigo, Ivanilde Teixeira. Não há informações sobre como ao menino chegou até Boa Vista sozinho, mas a Cruz Vermelha e o consulado trabalham para identificar a família que ficou na Venezuela.
Os dois mais novos moradores do abrigo são um casal de gêmeos, filhos de uma mãe venezuelana nascidos em Boa Vista e, portanto, brasileiros. Eles foram deixados na maternidade pela mãe, que ainda não foi identificada, e trazidos para o abrigo com pouco mais de 20 dias.
“Essas crianças, por serem gêmeos, chegaram abaixo do peso, por isso tem todo um cuidado. Eles chegaram através do conselho tutelar, não temos nenhum histórico da mãe. A gente tem um tempo pra buscar a família e, quando não é encontrada, a gente toma as providências cabíveis até essas crianças chegarem no Cadastro Nacional de Adoção”, explica Ivanilde.
Ao menos enquanto estiverem no abrigo, as crianças podem dormir em quartos limpos, recebem carinho a atenção das assistentes e as seis refeições por dias garantem a barriga cheia. Realidade muito diferente da que Carlos, agora matriculado pela primeira vez numa escola, vivia antes nas ruas. “Vez ou outra, ele manifesta que quer voltar para a Venezuela. Mas, para isso, a gente precisa saber informações da família, onde ela está para a gente poder entregar essa criança com segurança”, diz Ivanilde.
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