Nova luz sobre a Batalha de Okinawa
No final de junho, o povo de Okinawa, no sul do Japão, comemorou o 74º aniversário da feroz batalha que o envolveu nas fases finais da Segunda Guerra Mundial.
A Batalha de Okinawa, travada contra as forças lideradas pelos EUA, custou a vida a mais de 200 mil civis e soldados. Cerca de um quarto de toda a população de Okinawa foi dizimada.
Novas informações confirmam que o alto número de mortes foi em parte resultado da mobilização dos militares japoneses de civis e da escalada dos ataques dos EUA que se seguiram.
Uma investigação da NHK revelou como as pessoas comuns, independentemente da idade ou sexo, foram forçadas a entrar em batalha, e por que tão poucos voltaram.
O campo de batalha esquecido
A primeira batalha terrestre em grande escala começou em Nakagusuku, no centro de Okinawa. Mais de 5.500 pessoas, cerca de um terço da aldeia, eventualmente, perderam suas vidas na Batalha de Okinawa.
Numa colina com vista para a aldeia, uma ruína da sangrenta batalha permanece. Era uma posição fortificada usada pelo Exército Imperial Japonês, disfarçada como parte da colina.
É raro encontrar uma ruína de batalha tão bem preservada. Nós exploramos o local com um especialista militar e funcionários da aldeia.
“Esta área foi atacada. Você pode ver que está queimada. Isso, provavelmente, foi queimado por um lança-chamas”, disse o coronel aposentado Kazumi Kuzuhara, que estava com a Força Terrestre de Auto Defesa (GSDF – Ground Self-Defense Force).
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A batalha contra as forças dos EUA em Nakagusuku foi no início de Abril de 1945. As tropas dos EUA foram emboscadas pelas forças japonesas, escondidas em túneis subterrâneos na colina. Os túneis estão, agora, em colapso, por isso a estrutura geral não está bem definida.
A maioria dos registros da batalha foram destruídos na guerra, e 74 anos depois, os oficiais da aldeia ainda lutam para entender o que aconteceu.
“Muitos aldeões foram apanhados na guerra e perderam suas vidas. Estamos tentando entender melhor a ligação entre suas mortes e as operações militares que aconteceram aqui”, disse Wataru Inamine, pesquisador do Conselho de Educação de Nakagusuku. “Assim que compreendermos isso, gostaríamos de compartilhar as informações com os moradores locais”.
“O Pináculo”, um divisor de águas
Encontramos informações mais detalhadas sobre esta batalha nos arquivos militares dos EUA, algumas delas mantidas em uma base da Marinha norte-americana em Okinawa.
Mark Waycaster, curador da “The Battle of Okinawa Historical Display”, fez uma monografia do 10º Exército dos EUA. “É, basicamente, cada pedaço de informação que eles aprenderam durante esta batalha”, disse ele.
O documento foi preparado para uma futura invasão do continente japonês. As fortificações em Nakagusuku são retratadas como um excelente exemplo de táticas defensivas japonesas. Um diagrama mostra a posição fortificada na colina com vista para a aldeia. As forças americanas chamavam-lhe “o Pináculo”.
A partir do documento, pudemos ter uma ideia da intrincada rede de túneis subterrâneos e entradas ocultas do Pináculo. Essa estratégia permitiu que as tropas japonesas fizessem ataques surpresa contra as forças dos EUA, a partir de múltiplas direções. Os ataques incutiram terror entre os soldados norte-americanos, que não podiam prever de onde viriam em seguida.
“A batalha no Pináculo foi um show de terror para eles”, disse Waycaster. “Foi o primeiro gosto que os norte-americanos tiveram de uma defesa japonesa consolidada na ilha. Tornou-se um divisor de águas para eles”.
Mais de 700 soldados norte-americanos atacaram o Pináculo, acompanhados de tanques. Eles foram rechaçados, repetidamente, para trás por uma força japonesa que era quatro vezes menor. Os norte-americanos intensificaram seus ataques, e um número crescente de civis morreu no fogo cruzado, muitos deles da aldeia.
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“Os norte-americanos não tiveram que enfrentar nada parecido, até aquele ponto, no Pacífico”, disse Waycaster. “Há uma enorme população civil, mas como é que se libertam os civis de um exército que basicamente faz frente a uma população civil?”
Waycaster explicou, ainda mais, o que deveria ter passado pelas mentes dos combatentes norte-americanos.
“Se você é um garoto de 17 ou 18 anos e, de repente, você vê um corpo que está curvado e se movendo da direita para a esquerda, na sua frente, e lhe dizem que há tropas japonesas lá fora, você atira. Você não faz perguntas”.
As memórias dos aldeões se desvanecem
Muitos moradores ainda não sabem exatamente o que aconteceu quando as lutas começaram no Pináculo, porque poucos ilhéus compartilharam suas memórias com as gerações mais jovens.
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Seishun Komesu tem 83 anos. Seu pai, Seiki, conhecido por suas habilidades em alvenaria, recebeu ordens para ajudar a construir o Pináculo. Ele também participou da batalha.
“Vi numerosos crânios no túnel. Era assustador vê-los. Era terrível pensar que tantas pessoas tiveram que morrer aqui,” disse Seishun.
Seu pai morreu há 20 anos, sem compartilhar suas memórias de combate.
“Meu pai pode ter pensado que o Pináculo não deveria ter sido construído. Mas eu não sei como ele se sentiu, porque não falou sobre isso,” disse Seishun.
Uma aldeia inteira fortificada
Qual era a situação na aldeia naquela altura?
Tivemos acesso a documentos previamente classificados no Instituto Nacional de Estudos de Defesa que oferecem pistas.
Esses documentos mostram que o Pináculo não era a única posição militar. Havia inúmeras posições fortificadas em toda a aldeia. Registros de ordens emitidas pelo exército japonês na época sobreviveram à guerra porque foram apreendidas pelas forças norte-americanas.
Eles mostram o comandante do batalhão japonês em Nakagusuku dando uma ordem para “reforçar radicalmente as posições fortificadas”. Os militares japoneses estavam severamente carentes de pessoal, então os oficiais decidiram mobilizar a população local para construir fortificações.
“Eles não sabiam quando as forças norte-americanas chegariam”, disse o tenente-coronel Tatsushi Saito, do Instituto Nacional de Estudos de Defesa. “É por isso que tiveram que começar a trabalhar nas fortificações o mais rápido possível, para se prepararem para a batalha contra as tropas norte-americanas”.
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Mobilização em grande escala
Os civis foram mesmo enviados para a linha de frente, independentemente da sua idade ou sexo. Encontramos documentos que explicam o que eles passaram, a partir de depoimentos de moradores entrevistados após a guerra. Os documentos não são públicos. Foi-nos permitido filmá-los com a condição de que os nomes dos indivíduos fossem mantidos em sigilo.
“Em 27 de Março (de 1945), a equipe de moças foi ordenada a juntar-se ao exército. Disseram-nos para não sair da aldeia e que seríamos alvejadas se desobedecêssemos”, disse um dos testemunhos.
“Um oficial do exército foi de casa em casa e forçou os estudantes do ensino médio a se alistarem imediatamente”, disse outro.
Os meninos foram, instantaneamente, transformados em soldados. As meninas foram recrutadas como cozinheiras e enfermeiras, mas algumas também receberam armas e foram para a frente de batalhas.
“Quando falamos sobre a Batalha de Okinawa, o termo ‘mobilização em grande escala’ é uma das frases-chave que usamos”, disse Shinobu Yoshihama, um dos principais especialistas na batalha.
“Não havia tropas japonesas suficientes para lutar em Okinawa, então o exército apenas avançou e começou a reunir mulheres e outras pessoas. A mobilização foi total, tanto física quanto mentalmente”, disse ele.
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Um sobrevivente da mobilização
Hiroko Goya, 91 anos, foi recrutada para o exército como enfermeira aos 17 anos. Ela diz que as forças norte-americanas dispararam continuamente e sem discriminação. “As balas atingiram todos, a menos que você estivesse deitado de bruços no chão. Todos os que andavam eretos foram baleados”.
Goya trabalhou no campo de batalha durante meses. Ela sobreviveu escondida em cavernas, passando dias sem comida.
“Eu agradeci aos deuses. Eu senti que devia minha sobrevivência ao Céu e à Terra,” ela disse.
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Preservando as memórias
Conhecemos outra mulher na aldeia que está tentando registar as memórias da guerra que estão desaparecendo com o tempo.
Ryuko Kushi, 64 anos, tem visitado aldeões idosos para recolher os seus testemunhos. Sua mãe Toyo começou, recentemente, a falar sobre a batalha, pouco a pouco.
Durante décadas, a maioria dos sobreviventes nunca falou sobre a guerra, por causa do persistente trauma de perder familiares e amigos. “Minha mãe acha que o que aconteceu será esquecido se ela não falar sobre a tragédia da guerra”, disse Ryuko.
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Toyo Arakaki, de 89 anos, lembra-se das cenas terríveis que testemunhou quando tinha 14 anos. “O som dos bombardeios era horrível. Aviões atacavam com metralhadoras e incendiavam as casas”, disse ela.
Toyo lembra-se que se escondeu em um abrigo quando soldados norte-americanos atacaram. Ela disse que ficou lá por cerca de duas semanas, temendo que fosse encontrada e morta pelos soldados. Ela disse que não tinham nada para comer. “Foi muito difícil. Tudo o que podíamos fazer era lamber sal e beber água de uma vala de drenagem.”
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Toyo foi retirada do esconderijo com uma arma apontada por um soldado norte-americano. Antes disso, sua família estava considerando o suicídio.
“Sentimos que a guerra estava chegando ao fim, então decidimos abrir nossos túmulos familiares e nos matar para que pudéssemos deixar este mundo juntos”, disse Toyo a Ryuko ao visitar um local onde uma vez havia sido seu abrigo.
“Eu nunca ouvi dizer que vocês estavam prestes a morrer”, disse Ryuko. “Você sobreviveu por um fio de cabelo.”
Ryuko pensou que o que tinha acontecido durante a guerra não deveria ser esquecido. Em abril, ela entrou para a pós-graduação na Universidade de Ryukyus, em Okinawa. Ela escolheu as experiências de guerra dos aldeões como tema de seus estudos, e escreverá sua tese sobre o assunto.
Para Toyo, é difícil esquecer a batalha. Ela é continuamente lembrada disso, vivendo a apenas cinco quilômetros da US Marine Corps Futenma Air Station.
“Eu sempre me lembro da guerra. Os aviões militares dos EUA sobrevoam nesta direção”, disse Toyo, quando lhe perguntaram se o helicóptero que estava zumbindo em cima a lembra de alguma coisa.
“Acho que minha mãe ainda pensa bastante sobre o que ela experimentou. Dentro dela, a guerra nunca acabou”, disse Ryuko. “Eu gostaria de ouvir a sua história, se ela estiver disposta a compartilhá-la comigo.
A guerra não é uma coisa do passado
Okinawa continua a receber muitas bases norte-americanas. 70% das instalações militares dos EUA no Japão ainda estão concentradas nesta pequena parte do país.
“Quero que as bases dos EUA desapareçam da ilha. Mas elas permaneceram em Okinawa, mesmo depois de ser devolvida pelos EUA, colocando um pesado fardo sobre o seu povo”, disse Ryuko. “Em outras palavras, Okinawa ainda está sendo forçada a se sacrificar pelo continente japonês, assim como fez durante a guerra.”
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Ryuko contou que sua mãe lhe disse, recentemente, que tem medo do barulho da aeronave norte-americana Osprey. Ela agora entende que isso é por causa da experiência de guerra de sua mãe. Toyo sempre manteve seu sofrimento para si mesma.
“A guerra não é coisa do passado. Ela continua a afetar as pessoas até hoje”, disse Ryuko. “Podemos voltar a ser vítimas, mas também podemos causar danos, porque as bases dos EUA estão aqui em Okinawa.”
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