Zezé Motta volta aos estúdios sete anos depois e grava o CD “O samba mandou me chamar”.

Zezé Motta (73), figura respeitada da música, televisão e cinema, volta aos estúdios sete anos depois, lançando um CD dedicado ao samba, com canções inéditas e participações especiais de Arlindo Cruz, Xande de Pilares e outros bambas. Na ativa desde 1967, Zezé Motta venceu primeiro como atriz para depois deslanchar a vocação que sempre teve maior apreço: a de ser cantora. Depois de 40 anos do seu estouro inicial como cantora, sua bela voz de contralto está de volta, e muito bem gravada, diga-se de passagem, em seu novo CD, “O samba mandou me chamar”, que chega às lojas e em todas às plataformas digitais em abril pela “Coqueiro Verde Records”. O show de estreia da turnê será no dia 30 de abril, no Theatro Net Rio, em Copacabana. Este é o 7º álbum solo da carreira da cantora e estava engavetado há 10 anos.

Zezé já havia sido crooner na noite paulista no início dos anos 70 e gravado um CD com o ex-Secos & Molhados Gerson Conrad em 1975. Com o estouro internacional do filme “Xica da Silva”, de Cacá Diegues, no ano seguinte, no qual foi protagonista, tudo mudou. Além de consagrar-se grande atriz, virou sexy symbol e um mito para a negritude. Coroando esta fase, ela decidiu gravar um disco há exatos 40 anos, pela Warner Music, em 1978, no qual estourou diversas faixas, como “Muito prazer, Zezé”, “Pecado original”, “Magrelinha”, “Crioula”, “Rita Baiana” e “Dores de amores”, que na maioria foram feitas especialmente para ela por Rita Lee & Roberto, Luiz Melodia, Moraes Moreira e outros.

Sua intimidade com o samba, entretanto, vem de longe. Em 1979, Zezé fez vibrar o país com a sua gravação de “Senhora liberdade”, de Wilson Moreira e Nei Lopes. Anos mais tarde, gravou diversos sambas-canção do repertório de Elizeth Cardoso no CD “Divina saudade”. Mas é a primeira vez que dedica um álbum inteiro ao gênero mais tradicional do país, oportunidade que a gravadora Warner já havia lhe oferecido logo que a contratou, mas que naquela altura, declinou. Entretanto, já fazia dez anos que acalentava este projeto. Neste meio tempo, em 2011, gravou um tributo a Jards Macalé e Luiz Melodia (o CD “Negra melodia”). Como tudo na vida vem na hora certa, o momento agora é de “O samba mandou me chamar”, seu oitavo disco solo (e décimo quarto, incluindo os coletivos).

Não esperem um CD “cool” ou de releitura de clássicos. Ela optou justo pelo oposto, um repertório inédito, na maioria, alternando jovens bambas no geral e alguns veteranos, com arranjos de viés mais popular, assinados pelo produtor Celso Santhana. São 13 faixas em que evita temas pesados, preferindo o tom romântico, feitas sob medida para desopilar o fígado de um país que atravessa um momento tão sofrido e necessita de um alento musical.

Duas delas, “Ficar a seu lado” (Christiano Moreno/ Flavinho Silva), uma descarada declaração de amor em tom sensual, que fala em “cara metade” e elogia até o “sabor do suor” do ser amado, bem como a ancestral “Batuque de Angola” (André Karta Markada/ Juninho Mangueira), um cadenciado samba de terreiro, já iniciaram uma carreia de sucesso, mas não no Brasil. Foram festejadas pelo povo português, por terem sido incluídas na trilha da novela “Ouro verde”, que Zezé estrelou ano passado na Terrinha.

Entre os grandes destaques do CD, há uma inspirada participação do craque Arlindo Cruz, antes da sua internação que o tirou temporariamente de circulação em março do ano passado, em “Nós dois”, dele, com Maurição, e outra de Xande de Pilares, ex-vocalista do Grupo Revelação, hoje um grande astro em carreira solo, na não menos romântica “Alma gêmea” (André da Mata/ Mingo Silva/ Kinho), ambas também inéditas.

Novidades e releituras, faixa a faixa:
Ainda no repertório de novidades, há uma dor-de-cotovelo, “Poeira varrida” (Carlinhos da Ceasa/ Darcy Maravilha); uma em que faz mea-culpa e implora a volta do ser amado, “Vou te provar”(Marquinhos PQD/ André Renato) e outra que, ao contrário, celebra um amor maduro que atravessou diversas fases, como as quatro estações do ano, e se mantém firme, florescendo em “A primavera se despede” (Serginho Procópio/ Ferreira Meu Bom). Neste clima, há uma lição de otimismo para amores fracassados, em “Na hora de partir” (Serginho Meriti/ Claudinho Guimarães): “A vida ensina que o mundo é dos fortes/ De quem segue adiante aventurando a sorte”, e reforça o antídoto contra o baixo astral no funkeado “Samba da amizade” (Flavio Lima), cuja letra sentencia: “É muito melhor uma amizade do que um grande amor que vem pra lhe enganar”.

Lá pelo meio da audição aparece uma ode ao ato de cantar – “Missão” (do recém-falecido Lourenço, autor de hits de Alcione, Grupo Raça e Ivete Sangalo, com Docsantana): “Vou pelos palcos, da vida, vou/ Fazer o povo brilhar/ Coisa de bamba/ Vou vendo o povo aplaudir/ O show continuar/ Cantar meu samba”. E também duas regravações curiosas: uma versão em ritmo de samba soul de “Mais um na multidão”, de Erasmo Carlos, Marisa Monte e Carlinhos Brown (“Te quero/ Te espero/ Não vai passar/ O amor não tarda/ Está”), gravada originalmente pelo Tremendão com Marisa em 2000, e uma releitura para o velho sucesso de Aracy de Almeida no carnaval de 1947, “Louco”, do histórico bamba Wilson Batista, com Henrique de Almeida: “Louco, pelas ruas ele andava/ O coitado chorava/ Transformou-se até num vagabundo/ Louco, para ele a vida não valia nada/ Para ele, a mulher amada/ Era seu mundo”.

Finalizando o CD, um medley que dá nome ao disco em clima de roda de samba carnavalesco, com mais novidades, “Já pode chegar” (Christiano Moreno/ Paulinho Carvalho/ Fábio Siri) e “Vem”(Ciraninho/ Leandro Fregonesi/ Rafael dos Santos), encerrando com o animado hino do Cacique de Ramos, “Caciqueando” (Noca da Portela/ Valmir/ Amauri), sucesso na voz de Beth Carvalho em 1983.

A faixa prima por reunir a velha e a nova geração de partideiros – o jovem bamba Christiano Moreno e os grupos Bom Gosto (estourado atualmente nas rádios populares) e Fundo de Quintal (que renovou a sonoridade do samba no fim dos anos 70), este representado por Ronaldinho e Sereno.

Com sua simpatia, talento e coração aberto, Zezé Motta tem este dom de agregar talentos de tribos tão distintas do samba. A música brasileira agradece.
(Rodrigo Faour)

                                                      Zezé Motta – “O Samba mandou me chamar”
1) “Ficar a seu lado” (Christiano Moreno/ Flavinho Silva)
2) “Alma gêmea” (André da Mata/ Mingo Silva/ Kinho) – com Xande de Pilares
3) “Poeira varrida” (Carlinhos da Ceasa/ Darcy Maravilha)
4) “Mais um na multidão” (Erasmo Carlos/ Marisa Monte/ Carlinhos Brown)
5) “Nós dois” (Arlindo Cruz/ Maurição) – com Arlindo Cruz
6) “Louco (Ela é seu mundo)” (Wilson Batista/ Henrique de Almeida)
7) “Missão” (Lourenço/ Docsantana)
8) “A primavera se despede” (Serginho Procópio/ Ferreira Meu Bom)
9) “Na hora de partir” (Serginho Meriti/ Claudinho Guimarães)
10) “Samba da amizade” (Flavio Lima)
11) “Vou te provar” (Marquinhos PQD/ André Renato)
12) “Batuque de Angola” (André Karta Marcada/ Juninho Nogueira)
13) Pout-pourri: O samba mandou me chamar
“Já pode chegar” (Christiano Moreno/ Paulinho Carvalho/ Fábio Siri)
“Vem” (Ciraninho/ Leandro Fregonesi/ Rafael dos Santos)
“Caciqueando” (Noca da Portela/ Valmir/ Amauri)

Sobre Zezé Motta:

Há quem se lembre de Zezé Motta apenas como atriz – difícil mesmo dissociar sua figura da bela e sedutora Xica da Silva -, mas essa é apenas uma das facetas da artista de 73 anos, tendo 50 deles dedicados à cultura no Brasil.

Filha de um músico de mão cheia, logo cedo se interessou por teatro. Fez um curso no Tablado e encenou sua primeira peça profissional aos 21 anos. A estreia de Maria José Mota não poderia ser mais marcante: Em janeiro de 1968, ela integrou o coro do musical “Roda Viva”, escrito por Chico Buarque e dirigido por José Celso Martinez Correia. Um dos mais emblemáticos espetáculos dos anos 60, que foi atacado pelo Comando de Caça aos Comunistas e teve seus atores ameaçados e agredidos.

Surgia ali uma trajetória de sucesso que a levaria para aos melhores palcos, aos melhores filmes criados por aqui, e aos cantos escondidos dessa terra através da televisão.

Com o Teatro de Arena, nos anos 60, encenou o clássico “Arena Conta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com tournée pelos Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Fez também outras peças, incluindo Godspell, em 1974.

As histórias de Zezé Motta – nome artístico que foi dado por sua comadre Marília Pera -, impressionam, ora pela carga de normalidade ora pelo quê de inusitado. Pois Zezé é assim: uma diva espontânea, complexamente simples, iluminada pela própria natureza e não por artifícios exteriores.

Em seu livro de memórias, Cacá Diegues lembra que o início da filmagem de Xica da Silva estava chegando e ele ainda não tinha a atriz. No livro de Joaquim Felício dos Santos, ele descreve Xica como mulher sem atrativos, de nenhuma beleza, mas Cacá nunca acreditou nisso. Como, se fosse assim, ela teria seduzido o contratador de diamantes João Fernandes a ponto de ele fazer de Xica a rainha do arraial do Tijuco?

Foi Nelson Motta quem lembrou o diretor de uma atriz, cantora e dançarina que eles haviam visto numa montagem de Godspell, o musical. Cacá imediatamente deu-se conta de que sua busca havia terminado. Tinha a sua Xica, mas ainda foi preciso convencer o produtor Jarbas Barbosa. Não foi preciso esperar pelo sucesso nacional e internacional do filme para confirmar como Cacá estava certo. Antes de Xica das Silva, havia aparecido em Vai Trabalhar, Vagabundo, de Hugo Carvana. Depois fez Anjos das Noite, de Wilson Barros; Tieta do Agreste e Orfeu, de novo com Cacá. Atuou em novelas (Corpo a Corpo, A Próxima Vítima, Porto dos Milagres, Renascer). Ao todo, são mais de 30 projetos só na televisão.

A atriz, que já recebeu o Troféu Oscarito – destinado a grandes atores do cinema brasileiro por sua majestosa atuação como Xica da Silva, foi recentemente homenageada e entrou para a memória do Museu do Festival de Cinema de Gramado (RS), através de uma estátua de cera. A estátua foi feita nos mesmos moldes das Estátuas produzidas para o DREAMLAND – primeiro museu de cera da America Latina. Zezé também já foi duas vezes enredo de escola de samba no carnaval do Rio de Janeiro. E as homenagens não param por aí, um musical sobre sua vida, “Muito Prazer, Eu sou Zezé!” escrito por Rodrigo Murat, festejará os 50 anos de carreira da artista.

Ícone negro da cultura brasileira, foi pré-indicada ao Nobel. De mil mulheres a quem o prêmio resolveu prestar homenagem, 33 foram do Brasil e Zezé esteve entre elas. Onde ela vai parar, ninguém sabe.

Zezé Motta é a rainha negra do Brasil. A mulher da pele preta que enfrentou a ditadura desse país livre e nua. É uma atriz de dar orgulho. Mas tem uma coisa que Zezé Motta faz ainda melhor: cantar.

Sua voz poderosa ecoa na história da música brasileira há muito tempo desde os antigos anos setenta, quando Zezé gravou seu primeiro disco solo em que compositores do porte de Rita Lee e Moraes Moreira entregaram canções inéditas para ela gravar. Além disso, sua voz imortalizou clássicos como Trocando em Miúdos de Chico Buarque e Francis Hime e Pecado Original de Caetano Veloso que nunca mais foram as mesmas depois de sua interpretação.

Em 2017 ela esteve com inúmeros projetos no cinema, teatro e tv. Deus, na forma de uma mulher negra, foi um dos personagens da artista que deu o que falar no longa “A Comédia Divina”, de Toni Venturi. Zezé também pôde ser vista na série 3% da NetFlix, – hoje a mais assistida nos EUA -, e em 2018 continua na 2º temporada, que estreia em abril. Lançada em 25 de novembro de 2016, para mais de 190 países, o seriado é sucesso de público e crítica e, segundo os dados da plataforma de streaming, faz sucesso ao redor do mundo.

A atriz também está na trama de Walcyr Carrasco, “O outro lado do Paraíso”, na Globo, onde dá vida ao personagem “Mãe Quilombo”, abordando no horário nobre a intolerância religiosa e mostrando sua militância em favor dos negros no nosso país.

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Da Redação by Cleo Oshiro

Cleo Oshiro
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