O dilema nuclear do Japão: a busca pela segurança energética pós-Fukushima.
Seis anos depois do triplo derretimento na usina nuclear de Fukushima Daiichi, o governo do Japão deu os primeiros passos, na longa e contestada estrada, para reiniciar os reatores nucleares desativados do país.
Apesar do clima de tensão e de um debate feroz em torno do futuro da geração de energia nuclear no Japão, as primeiras usinas já foram reabertas, em consonância com a polêmica nova visão de segurança energética do primeiro-ministro Shinzo Abe.
A visão do primeiro-ministro, que foi anunciada pela primeira vez no Quarto Plano Estratégico de Energia de 2014, antes de ser formalmente aprovada pelo Ministério da Economia, Comércio e Indústria no ano seguinte, colocou a energia nuclear, mais uma vez, na vanguarda da busca do Japão pela segurança energética.
O plano prevê que a energia nuclear ocupe tenha uma participação de 20% a 22% do mix energético do Japão até 2030, ao mesmo tempo em que estipula apenas um modesto aumento nas fontes de energia renováveis.
Apesar do entusiasmo do governo em reativar a indústria nuclear, muitos no Japão questionaram a nova estratégia, rotulando os planos de Abe de serem inviáveis devido às traumáticas experiências recentes do país com a energia nuclear.
E há menos de dois anos, desde que a estratégia foi adotada, as evidências iniciais parecem respaldar esta afirmação: os retornos nucleares têm sido lentos e onerosos, enquanto a oposição pública continua forte, deixando o objetivo do governo, de 2030, parecer extremamente otimista.
A superação do dilema nuclear em meio ao ambiente atual de desconfiança e incerteza será, portanto, crucial para garantir a segurança energética do Japão a longo prazo.
O governo tem duas escolhas: ou reafirmar seu compromisso com a indústria nuclear e avançar com os reinícios, ou reconhecer que o Japão pode estar melhor limitando a energia nuclear em favor de investir mais pesadamente – e mais rapidamente – em fontes de energia renováveis.
Para entender mais plenamente o atual dilema nuclear do Japão, ele deve ser colocado dentro do contexto mais amplo, da luta de décadas do país para alcançar a segurança energética e auto-suficiência.
Como uma nação insular, localizada na borda da Ásia Oriental marítima, o Japão é geograficamente isolado e possui poucos recursos naturais próprios.
Como resultado, o Japão, historicamente, confiou na importação de energia do exterior, a fim de satisfazer suas necessidades energéticas florescente.
Além disso, os conflitos territoriais não resolvidos no Mar da China Oriental significaram que os recursos de gás natural, potencialmente extensos, a curta distância do litoral ocidental do Japão, permaneceram inexplorados.
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A energia importada do Japão vem, predominantemente, na forma de combustíveis fósseis, que compõem mais de 85% de seu mix de energia, custando ao país mais de US $ 40 bilhões por ano.
A maior parte do petróleo do Japão vem do Oriente Médio, politicamente inflamável, enquanto grande parte de seu carvão e gás natural vem de países mais estáveis, como a Austrália, Indonésia e Rússia.
Antes do incidente de Fukushima, em março de 2011 – desencadeado pelo devastador terremoto de Tohoku e tsunami – a escassez de recursos do Japão foi mitigada em grande medida pela geração de energia nuclear.
Antes do colapso, o Japão era o terceiro maior produtor mundial de energia nuclear, atrás dos Estados Unidos e da França, e foi capaz de contar com sua extensa rede de reatores nucleares para cerca de 30% de suas necessidades de geração de energia.
No entanto, após o colapso de três reatores na usina de Fukushima Daiichi, o então primeiro-ministro, Yoshihiko Noda, decidiu fechar todos os 48 reatores do Japão e prometeu uma total eliminação do programa nuclear do país.
A geração de energia nuclear logo caiu para menos de um por cento do total de energia do Japão, e foi substituída por novas importações de carvão, petróleo e gás.
Até 2013, os combustíveis fósseis representaram um escalonamento de 95% do fornecimento total de energia. Essa mudança repentina no mix energético do Japão resultou em um aumento acentuado dos preços da eletricidade para os consumidores, deixando o Japão com um déficit comercial, rapidamente crescente, e com maiores emissões de gases de efeito estufa.
Nos anos imediatamente após o incidente, a insegurança energética do Japão piorou dramaticamente, à medida que a proporção de energia produzida no país despencou para 7% de seu suprimento total de energia.
O Japão tornou-se mais dependente das importações de combustíveis fósseis do Oriente Médio, sendo que o petróleo e o gás da região tinham que ser transportados através de estreitas vias marítimas, como o Estreito de Ormuz e o Estreito de Malaca.
Isso expôs o país a riscos geopolíticos acrescidos, centrados em preocupações sobre interrupções potenciais de oferta.
Logo após as eleições gerais de 2012 no Japão, a nova administração – liderada por Shinzo Abe – deixou claro que o mix de energia pós-Fukushima era insustentável.
O governo de Abe, rapidamente, passou a reverter o fechamento nuclear e estabeleceu sua visão de energia alternativa no Plano de Energia Estratégica de 2014. O plano enfatizou a segurança como um componente chave dos reinícios nucleares, dando um poder considerável à recém-formada Autoridade de Regulação Nuclear (NRA) para impor regulamentos rigorosos e realizar extensas inspeções de segurança, antes de permitir que os reatores reiniciem.
O Ministério da Economia, do Comércio e da Indústria foi encarregado de implementar a estratégia e lançou a Perspectiva de Oferta e Demanda de Energia a Longo Prazo para 2030, em julho de 2015.
O relatório esboçou a composição desejada do futuro mix de energia do Japão, estabelecendo uma meta para a energia nuclear atingir 20-22% do fornecimento total de energia até 2030, passando dos menos de 1% atualmente.
O governo prevê que as energias renováveis, como a energia solar e eólica, representarão 14% do total, além de hidrelétricas representando 9%, sinalizando uma contribuição global de 23% de fontes renováveis.
No entanto, os combustíveis fósseis ainda deverão ser a fonte dominante da energia do Japão em 2030, com o carvão responsável por 26% – apenas marginalmente de 30% em 2013 – e o gás natural representando 27% – embora reduzido consideravelmente dos 43% atualmente.
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Muitos observadores no Japão criticaram os planos do governo por confiar demais na reintrodução da energia nuclear.
No entanto, Abe apoiou sua decisão, afirmando que “nosso país, pobre em recursos, não pode ficar sem energia nuclear”, enquanto reafirma que o governo “não mudará sua política” para reiniciar os reatores nucleares do país.
Várias críticas importantes foram feitas à nova estratégia.
Em primeiro lugar, foi sugerido que o mix de energia, projetado para 2030, é simplesmente um retrocesso ao status quo antes do desastre de Fukushima, com o governo, novamente, voltando para a energia nuclear para corrigir o problema de escassez de energia do Japão.
Em segundo lugar, os combustíveis fósseis, como o carvão e o gás, devem manter uma quota dominante – o que coloca dúvidas sobre os compromissos de redução de emissão de poluentes do Japão nas conferências mundiais sobre alterações climáticas em Copenhague e Paris.
Por fim, alguns reclamaram que o plano resolve um crescimento, relativamente lento, no setor de energia limpa, ignorando a oportunidade de promover mais ativamente as energias renováveis e impulsionar uma mudança drástica no cenário energético do Japão.
Pode-se até perguntar – à luz dos recentes acontecimentos – se a nova estratégia energética do governo já está parando no primeiro obstáculo.
Mais de dois anos se passaram, desde que a reintrodução da energia nuclear foi anunciada pela primeira vez, mas até agora só dois dos 48 reatores do Japão foram trazidos de volta. Os reatores nucleares têm progredido a um ritmo dolorosamente lento, à medida que os obstáculos legais e políticos se recusam a recuar, enquanto a oposição à energia nuclear continua a ser resiliente entre as autoridades locais e a população em geral.
Em novembro, outros dois reatores em Kyushu – a ilha mais sudoeste do Japão – foram aprovados para serem reiniciados, e logo poderiam se juntar aos dois reatores em Sendai, que foram os primeiros a entrarem em operaçã,o desde o desastre de Fukushima.
No entanto, a oposição pública, provavelmente evitará uma tentativa de reiniciar a grande usina de Kashiwazaki-Kariwa na província de Niigata, onde o governador, recém-eleito, é fortemente contra o reinício proposto.
A nível nacional, as sondagens de opinião reproduziram o cepticismo das pessoas que residem perto de instalações nucleares.
Uma pesquisa de âmbito nacional realizada pelo jornal Asahi Shimbun, em outubro de 2016, descobriu que 57% dos cidadãos japoneses estavam contra as usinas nucleares do país serem reiniciadas.
Dado o clima público atual e os primeiros obstáculos encontrados, o objetivo do governo para que a energia nuclear represente 22% do mix energético do Japão até 2030 parece cada vez mais ambicioso.
Ao reverter sua tradicional dependência da energia nuclear, o Japão está perdendo uma oportunidade única de desviar as finanças, a tecnologia e os recursos de inícios onerosos e impopulares, para investir em fontes de energia mais limpas.
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E se os retornos nucleares continuarem a progredir apenas a passo de caracol, o argumento seria reforçado para o Japão diversificar ainda mais as suas fontes de importação, ao iniciar uma mudança mais rápida e mais determinada em relação às energias renováveis como a solar, eólica e hidroelétrica.
Apesar da introdução de novas normas de segurança e da contínua reafirmação do governo, o veredicto da população, em geral, é claro – a fim de alcançar uma segurança energética sustentável e de baixo risco a longo prazo, o Japão deve ir além do dilema nuclear.
É evidente que os efeitos psicológicos do devastador terremoto de Tohoku e o derretimento resultante em Fukushima Daiichi ainda podem ser destinados a ter um impacto duradouro sobre o futuro do painel energético do Japão.
Seis anos depois, o povo japonês está enviando uma mensagem clara ao governo: embora uma catástrofe humana, de grande escala, tenha sido evitada no rescaldo de Fukushima, ela deve servir como um sério aviso – na próxima vez, o Japão pode não ter tanta sorte.
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