Japão, os chamados “overstayers”, vistos que excederam o período autorizado, falam como é a vida no limbo legal.
Toda vez que Jezreel Ann Balbuena, 12 anos, passa mal, com febre, os pais correm para uma farmácia nas proximidades para comprar remédios sem receita médica e se revezam cuidando dela. Visitar um médico não é uma opção, porque a família não tem seguro de saúde.
Necessidades diárias básícas, tais como arroz, roupas e artigos de papelaria, são difíceis de encontrar, também, com Balbuena incapaz de usar qualquer coisa diferente de roupas de segunda da mãe.
“Eu tenho vergonha, toda vez que eu acho que sou a última pessoa na minha classe a pagar as taxas de merenda escolar e outras despesas relacionadas com a escola”, disse a filipina. “Eu tenho medo da forma como as pessoas olham para mim.”
Como muitas outras crianças nascidas em famílias de imigrantes indocumentados, Balbuena não tem estatuto de visto válido – uma situação que a tem jogado para uma vida de pobreza e de limbo legal.
Desde que eles foram pegos com seus vistos em situação de “overstaying”, em 2009, sua família vive em um estado altamente precário chamado “karihomen”, ou liberdade provisória, que lhes poupa a detenção, mas exige renovação mensal. Aqueles em liberdade provisória são incapazes de trabalhar, reivindicar o seguro nacional de saúde ou viajar para além da província que residem sem autorização das autoridades de imigração.
Como tal, muitas crianças vivem com medo de que sua família possam um dia ter suas renovações de visto negadas e sejam repatriados para um país do qual nada sabem.
Algumas dessas crianças, que estão pedindo permissão especial para viver no Japão, foram informadas pelo governo que, enquanto eles se qualificam por razões humanitárias, seus pais não o são – um ultimato que ameaça destruir sua família, separando-os.
Oito crianças em tal situação peticionaram no Departamento Regional de Imigração de Tóquio, no Distrito de Shinagawa, na sexta-feira passada, dia 23 de outubro de 2015, solicitando clemência do governo para permitir que suas famílias fiquem e, possam, “perseguir seus sonhos no Japão.”
“Para essas crianças, os países de seus pais são terras estrangeira. Não são lugares em que possas “retornar”, disse o organizador Jotaro Kato, que lidera organização sem fins lucrativos Asian People´s Friendship Society (APFS).
“As crianças não podem escolher os pais. Dadas as circunstâncias, eu acredito que elas mereçam um pouco de misericórdia por parte do governo. E estar junto com seus pais é crucial para o seu desenvolvimento saudável. ”
A ação de sexta-feira aconteceu em meio a intensificação à repressão, por parte do Japão, sobre os imigrantes ilegais, incluindo os que excederam o período autorizado de visto, tendo em vista os Jogos Olímpicos de 2020. Embora o Japão tenha tolerado os que excederam o período autorizado de visto no auge de sua bolha economia, o governo, rapidamente, começou a reprimi-los uma vez que a demanda por seu trabalho caiu, imputando a eles o apelido de criminosos responsáveis por delitos como assaltos a residências e roubos.
O número de vistos “overstayers” foi 60.007 a partir de 01 de janeiro deste ano, cerca de um quinto do registrado em 1993, de 298.646, de acordo com o Ministério da Justiça.
O Ministério da Justiça, em cinco anos da revisão da política de imigração, revelou no mês passado, que decidiu engrenar esforços para expulsar os que excederam o período autorizado, reforçando a cooperação com a polícia, em um movimento que, segundo o Ministério, irá melhorar a ordem e a segurança pública.
“Pedimos desculpas pela infração às regras do Japão,” disse a mãe de Balbuena, Myla.
Ela e seu marido, Frederick, inicialmente, vieram ao Japão em 2001, com visto de turista, de três meses e, posteriormente, ficaram no Japão em busca de emprego. “Mas nós estamos implorando ao governo para nos dar uma chance de ficar no Japão. O futuro da nossa filha é a nossa maior preocupação. ”
“O Japão é a minha única casa. Eu não posso, e não quero, nem imagino vivendo em qualquer lugar que não seja aqui “, disse Balbuena, que não entende Tagalog.
A história de Balbuena não é um caso isolado entre as crianças de excedem o período autorizado.
A iraniana Narin Zoljalalian, por exemplo, sabe tudo sobre as dificuldades de não possuir um visto. Tendo se mudado para o Japão aos 2 anos de idade, em 2002, ela agora vive sozinha com a mãe em liberdade provisória, após enfrentar uma ordem de deportação por overstaying em seus vistos em 2007.
Sem um documento de identificação, como um certificado de residência, a garota de 16 anos disse que não poderia abrir sua própria conta bancária, nem podia trabalhar em um emprego em tempo parcial, como seus amigos fazem.
O Ministério da Justiça, em resposta à sua carta escrita à mão pedindo uma medida excepcional para garantir a ela e a sua mãe a estadia no Japão, respondeu, em dezembro do ano passado, que ela era elegível para tal permissão especial. Porém sua mãe, disse o Ministério, precisava ser repatriada.
“Eu não entendo por que o Ministério quer nos separar”, disse Zoljalalian.
“O fato mais assustador é que eu não sei até quando essa vida instável irá chegar ao fim. Muitas vezes eu me pergunto, esse poderia ser o último verão eu iria passar com os meus amigos no Japão? Ou, eu serei capaz de se juntar à nossa viagem da escola no próximo ano? Meu futuro é tão incerto que eu não posso sequer pensar sobre a possibilidade de ir para a faculdade. ”
Com a colaboração de seus colegas, Zoljalalian está agora recolhendo assinaturas como parte de sua campanha para obter a residência de sua mãe e dela.
Kato, da APFS, disse que estar indocumentado afetou o bem-estar das crianças ainda mais, à medida que cresciam.
Tal é o caso de um menino filipino de 18 anos de idade, na Província de Saitama.
Os pais do garoto vieram ao Japão em 1994 com um visto de turista em busca de emprego e somente quando tinha 11 anos de idade ficou sabendo da situação de sua família quando, em uma manhã inesquecível, um grupo de funcionários da imigração, apareceram sem aviso prévio e levaram seu pai para um centro de detenção. Sua família tem, atualmente, a concessão de liberdade provisória.
Em nenhum momento de sua vida, nunca teve mais consciência das consequências de não ter um visto do que hoje. A sensação de crise se abateu sobre ele, ultimamente, quando percebeu que logo deixará de ser uma “criança” com direito à proteção integral e cuidados por seus pais. Ele será um adulto, de pleno direito, em dois anos e terá de fazer face às despesas por conta própria e sustentar a família.
Atualmente estuda numa escola profissional de cuidados de enfermagem de Saitama, ele está esperando passar por um exame nacional de enfermagem para trabalhar na indústria. Mas, sem um visto, ele permanecerá incapaz de exercer a profissão, mesmo que tenha passado.
“Quando eu estava no colégio, eu costumava não me importar muito com a minha situação, talvez, exceto para o fato de que eu não poderia ter um emprego em tempo parcial. Mas agora chegou um ponto em minha vida onde espero fazer um monte coisas por mim mesmo, a falta de visto tornou-se uma preocupação séria para mim “, disse o rapaz, que pediu para ter seu nome omitido por razões de privacidade.
Embora as crianças que excederam o período autorizado de visto seja duro, isso não quer dizer que eles estejam totalmente em desespero.
Apesar das dificuldades financeiras, a filipina Balbuena, por exemplo, disse que amava a escola, iluminando seu rosto com alegria, quando ela descreveu suas atividades do clube de voleibol, seu bate-papo de almoço com amigos e seu futuro sonho de se tornar uma enfermeira.
“Eu quero fazer algo para ajudar os outros”, disse ela. “Eu adoro fazer as pessoas sorrirem.”
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