A ação de informantes, também conhecidos como whistleblowers (em tradução literal, “sopradores de apito”, como são chamados aqueles que denunciam a ocorrência de atividades ilegais em suas organizações) já rendeu ao governo dos Estados Unidos pelo menos US$ 16,86 bilhões a mais em multas contra empresas e funcionários envolvidos em crimes financeiros, segundo estudo de pesquisadores das universidades americanas de Iowa, Texas A&M, Arizona State e American University.
Esse montante, obtido exclusivamente graças às denúncias dos informantes, é referente a ações do Departamento de Justiça (DOJ) e da Securities and Exchange Commission (SEC, na sigla em inglês, órgão que regula o mercado de capitais, equivalente à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil) entre 1978 e 2012 e equivale a 21% do total de US$ 79,46 bilhões em multas coletadas nessas ações no período.
“Há forte evidência de que, quando whistleblowers estão envolvidos, a SEC e o DOJ conseguem aplicar penas mais pesadas aos culpados”, disse à BBC Brasil um dos autores do estudo, Andrew Call, professor da Arizona State University.
A ação de informantes também resultou em penas de prisão para os culpados em média 21 meses mais longas do que se não houvesse envolvimento de denunciantes.
Com dados comprovando sua importância, o incentivo a denunciantes de crimes financeiros – como fraudes e pagamento de propinas e suborno a políticos – vem crescendo nos Estados Unidos.
Desde 2011, um programa de delação premiada estabelecido pela Lei Dodd-Frank de regulamentação financeira oferece a denunciantes proteção e recompensas que vão de 10% a 30% das multas acima de US$ 1 milhão resultantes de suas denúncias.
Irregularidades no Brasil
O programa, coordenado pela SEC, se aplica inclusive a denúncias sobre irregularidades no Brasil, já que também cobre filiais de multinacionais e empresas estrangeiras com ações na Bolsa de Nova York, como a Petrobras.
O último relatório sobre o programa enviado pela SEC ao Congresso americano, referente ao ano fiscal (até 30 de setembro) de 2014, menciona seis denunciantes brasileiros, em um universo de 448 estrangeiros. No total, entre americanos e estrangeiros, foram 3.620 denúncias.
A SEC não fornece informações sobre os denunciantes ou as empresas envolvidas. Para serem aceitas, as denúncias devem cumprir uma série de exigências e oferecer informações exclusivas que sejam decisivas para as investigações.
Segundo Call e a própria SEC, ainda não há dados suficientes para medir o impacto do programa de delação premiada. No entanto, uma comparação entre os relatórios dos últimos anos revela um crescimento de mais de 20% no número de denúncias entre 2012 e 2014.
O programa foi iniciado em 12 de agosto de 2011. Naquele ano fiscal (até 30 de setembro), foram registradas 334 denúncias, nenhuma do Brasil. Em 2012, na totalidade do ano fiscal, foram 3.001 denúncias, sendo 324 de estrangeiros, três deles do Brasil.
No ano fiscal de 2013, o total de denúncias saltou para 3.238, sendo 404 de estrangeiros, quatro do Brasil.
Alcance internacional
De acordo com a SEC, desde o início do programa, 14 indivíduos já receberam recompensas em dinheiro, sendo nove deles no ano passado. O maior prêmio até agora foi de mais de US$ 30 milhões, pago em setembro passado a um denunciante estrangeiro.
A SEC não fornece detalhes sobre sua identidade, mas diz que foi o quarto denunciante de fora dos Estados Unidos a receber recompensa, “o que demonstra o alcance internacional do programa”.
Segundo a SEC, a maioria dos denunciantes não está envolvida nas irregularidades, e o programa é um incentivo, tanto na forma de recompensa financeira como em proteção, para que mais gente supere o temor de represálias e de perder o emprego e tome a iniciativa de denunciar irregularidades.
Para Call, programas semelhantes poderiam funcionar em outros países, inclusive no Brasil (onde a delação premiada costuma envolver apenas acusados buscando reduzir suas penas diante da Justiça).
No entanto, o pesquisador ressalta que ainda é cedo para avaliar se a qualidade das denúncias aumentou desde a implantação do programa nos Estados Unidos.
“Acho que pode ir nas duas direções”, disse Call à BBC Brasil. “Pode gerar denúncias de maior qualidade, incentivando denunciantes legítimos a falar. Por outro lado, pode incentivar pessoas que não tenham denúncias importantes, mas simplesmente queiram tirar vantagem do programa e conseguir algum dinheiro.”
Reação das empresas
Em seu estudo, que não analisa especificamente o programa de delação premiada, Call observou que, apesar dos benefícios, a ação de whistleblowerstambém traz custos, entre eles um aumento de 10 meses em média na duração das ações, o que consome tempo e recursos das agências.
O estudo também estima que cerca de 85% das denúncias no período analisado foram insignificantes ou acabaram descartadas pelos investigadores.
Call ressalta ainda que, assim como o governo cria incentivos para que os informantes exponham os problemas, as empresas que cometem irregularidades também podem criar seus próprios incentivos financeiros para desencorajar seus funcionários a fazer denúncias.
Em um estudo separado, o pesquisador analisou a concessão de opções de ações para funcionários e verificou que, em média, essas concessões aumentavam em períodos em que havia irregularidades nas empresas.
“Queríamos saber se isso funcionava, então analisamos empresas com irregularidades que foram expostas por denunciantes em comparação com aquelas em que as irregularidades não foram denunciadas por whistleblowers. E verificamos que as primeiras concederam bem menos opções de ações a seus funcionários”, afirma.
“Então, essa estratégia parece funcionar”, conclui Call.
BBC Brasil
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